Era
outra vez aquela história que todo mundo acha que sabe, que acha batida, mas
que na verdade sempre surpreende.
Nossos
personagens principais dessa história são três meninas:
A
Ana
que foi. Ana que é e a Ana que vem.
São
três Anas diferentes. Mas nem tão diferentes assim, porque uma não existe sem a
outra. Nem a que vai ser, muito menos a que foi.
A
Ana que foi era uma guriazinha dos cabelos esvoaçantes e cacheados. Desde
sempre foi encantada por histórias, vivia em bibliotecas, gostava de ouvir,
gostava de contar. Quando pequena, escrevia e apagava histórias. Contava pras
bonecas, pros cachorros, irmãos mais novos, vizinhos periquitos e papagaios que
encontrasse pelo caminho.
A
Ana que foi, foi muito. Muito amada, muito briguenta, muito atrapalhada, muito
entregue a tudo que fazia, muito determinada, muito reclamona, muito de
opinião. Muito muito. No decorrer do tempo, foi também aprendendo. Porque foi
passando de tempo em tempo, e o ir ensina, o ir amansa, o ir acalma. Ao longo de
tantas idas, ela foi longe.
Tiveram
alguns caminhos felizes, como o nascimento dos irmãos. A família cheia de
primos, que possibilitava os sonhos e fantasias das idas e voltas. Tiveram os
amores das mães, tios, tias, avós, amigos. Tiveram a descobertas de amizades
verdadeiras, felicidades espontâneas e sem compromissos com o fim. Idas
deliciosas durante tardes ensolaradas e floridas.
Mas
também tiveram caminhos dolorosos e tortuosos.
Caminhos com perda de gente querida e especial, doenças que acarretaram
na surdez moderada permanente da Ana que Foi, e violências. Violências físicas,
violências psicológicas, violências estruturais. Violências que nem ao menos sabia-se que eram
formas de violência.
E
a Ana que foi, continuou indo... e foi virando resiliente. Aprendeu a sofrer,
aprendeu com o sofrimento, e o mais importante de tudo: aprendeu a dar um
retorno em forma de amor à toda dor e sofrimento causada sem saber ao certo o
motivo.
Eis
então que a Ana que foi decidiu que seria assim. Amor não precisa de motivo. E
por mais que tivesse sofrido, ela também tinha recebido muito amor ao longo da
vida.
Então,
a Ana continuou indo, criou um projeto social chamado Vagalumes, que atende a
crianças carentes, há sete anos. Foi por
esse caminho que Ana decidiu trilhar. E agora, de tanto ir, a Ana é.
A
Ana que é, é diferente da Ana que foi.
Mas
a Ana que foi compõe parte essencial da Ana que é.
Ana
que é traz ainda aquele ideal sonhador, que acredita na mudança da sociedade,
que quer fazer alguma coisa eficaz pelas pessoas, que quer diminuir a dor de
outras crianças que sofreram e sofrem tanto quanto a Ana que foi. A Ana que é
tem os pés no chão. Mas não deixou de ter a cabeça nas nuvens. Porque a Ana que
é acredita que a que foi sempre estará por perto, relembrando-a das
necessidades e das belezas da vida.
A
Ana que é, é altiva, é resiliente, é empatia, é se colocar no lugar do outro, é
olhar com ternura, é colo pra acolher. Mas é também pulso firme, é furacão
quando precisa, é saber se portar com firmeza, é saber o caminho que vai
trilhar.
Não
vou mentir não. Ana que é tem dúvidas e medos como todo mundo. Não tem vergonha
de errar, muito menos de admitir seus erros.
Ana
que é, foi fazer Direito. Não gostou, voltou atrás. E agora decidiu que é outra
coisa.
Ana
que é agora vai pra trilha do serviço social. Daqui a pouco, o pouco é relativo
pra cada um, vira assistente social de verdade. Mas a trilha se ramificou, e a
Ana que é, foi também pedagogia. É sim senhor. Ela relutou um pouco em aceitar
o fato, mas a verdade é que ela sempre foi de criança. E ela sempre foi de
ensinar. Agora tem que ser assim.
A
Ana que é é cheia de coisa. Ela sempre inventa coisa pra fazer no seu tempo.
Tem as faculdades ao mesmo tempo, tem pesquisa, tem curso de línguas, tem aulas
pra dar, tem projeto pra cuidar, e agora tem história encantada pra contar.
Ufa!
A Ana que é é muita coisa. As vezes ela precisa de uma ajudinha aqui, um
empurrão ali, mas ela é assim, não consegue ficar muito tempo sem fazer nada.
Tem que fazer tudo, bem feito, ao mesmo tempo. E é incrível, porque ela
consegue.
A
Ana que é tá no meio das duas faculdades. Mas os compromissos sociais dela
sempre vêm em primeiro plano, porque a Ana que é não esquece da Ana que foi. E
pra ser, precisa ser em conjunto, pra Ana que é ser, ela precisa do outro.
A
Ana que vem tá próxima, muito próxima. Dentro de seis meses, posso te dizer que
Ana que vem vai estar cheia de coisa pra contar, cheia de tarefa pra fazer e
cheia de amor pra dar, cheia de coisa pra aprender, cheia de coisa pra ensinar.
Porque a Ana que vem é aprendizado, é sagacidade, é vontade de crescer, é
contribuição com a sociedade. É história sendo contada junto com quem já sabe
contar. É humildade pra entender e conhecer. É cooperação com o história viva,
é fidelidade à causa, é acreditar na causa. Porque a Ana que vem não esquece da
Ana que é. Nem da Ana que foi.
Não
tem como esquecer.
E
daqui um ano, a Ana que vem vai estar mais cheia de coisa ainda. Na metade do
curso de pedagogia, no fim do curso de serviço social. Dando carona pra 26ª
turma do história viva, cuidando do vagalumes que vai estar encaminhado para
virar ONG, cuidando dos irmãos que já estão grandes, amando as mães como elas
são, seguindo os passos da religião escolhida. Quem sabe vá estudar fora, quem
sabe vá ser presidente do centro acadêmico, quem sabe falando outra língua
fluentemente, quem sabe compondo um tcc sobre a violência doméstica feminina e
infantil.
Em
cinco anos, meu deus, a Ana que vem foi longe, looonge demais... tão longe, que
não se pode ver ao certo. Com sorte, ela vem estar formada nas duas faculdades,
venha a estar trabalhando na secretaria de educação, venha fazer políticas
sociais, venha a fazer um mestrado em direitos humanos, venha a palestrar pra
mulheres sobre como elas devem ter autonomia e soberania sobre suas vidas,
venha a discursar sobre violência, venha a aprender a perdoar os violentos, venha
ser militante ativa, venha a ser mãe da Ana Terra e da Maria flor, venha a ter
uma gata chamada Frida, venha a ter um amor pra chamar de seu, venha a efetivar
o sonho da ONG dos vagalumes, mas principalmente, venha a fazer diferença nas
histórias que serão contadas.
Porque
a parte mais bonita da história é que ela pode ser o que você quiser.
Quem
sabe ela comece com era outra vez...
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Texto escrito em meados de abril de 2015.