quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Olhar para si

 A verdade é que eu negligenciei por muito anos a minha surdez.

Nunca olhei pra esse lugar, pro que ele causava em mim. E me sinto vivendo num limbo, onde não pertenço à categoria de surdos, nem à categoria de ouvinte.

E durante muito tempo a vivência da minha surdez foi suprimida pela minha família e meu círculo social, me fazendo negá-la. Claro que sei que todos fizeram isso com as melhores das intenções, afinal, as deficiências em nossa sociedade são vistas como algo ruim.

Era aquela coisa: "Nossa, você não tem cara de surda" ou "Puxa, você se comunica bem, como que é surda?" "Mas você não é surda, você só não escuta muito bem algumas coisas..." E assim foi sendo uma construção negativa acerca da minha surdez, a qual eu reforço cotidianamente.
Mas a verdade é que tenho uma perda de audição moderada bilateral Isso significa que eu tenho aproximadamente 50% menos de audição em cada ouvido Só que minha perda foi gradual, o que fez com que eu me adaptasse. Aprendi a fazer leitura labial, corporal. Além do uso do aparelho
E a apropriação dessa condição está vindo agora, aos 30 anos. Entendendo que minha perda está progredindo, e honestamente, não sei se um dia terei uma perda total.
Mas o fato é: não me sinto pertencente à condição de deficiente
E muitas vezes me negam isso de várias maneiras: simbólica, me desqualificando enquanto pessoa surda. E eu fico sem saber onde me encaixar.

Vejam: não estou afirmando aqui que possuo as mesmas dificuldades de uma pessoa que nasceu surda. Não. Eu não faço parte da cultura surda. E não estou reivindicando isso.

Mas estou expondo minha realidade de pessoa que perdeu a surdez aos 4 anos de idade e essa perda progrediu ao longo da vida, chegando ao estágio que cheguei atualmente.
E hoje me vejo surda, sem saber me enquadrar em determinados espaços.

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